Quem não se move, não sente as correntes que o prendem. (Rosa Luxemburgo).

sábado, 8 de maio de 2010

Heroína invisível

À minha heroína

Conheci essa mulher há exatos 32 anos e 8 meses. No auge da sua linda juventude. Apaixonada, poetisa e cheia de cartas de romance. Parece-me que desde sempre adorava mexer nas unhas, como o faz até hoje.
Sonhava em ser jornalista, talvez escrever as coisas que seu coração sentia e que sua consciência já pressentia. Saber de tantas outras ruas que não apenas a “antiga 18”...
Mas casou-se! Mudou os sonhos talvez – ou deixou-os guardados até hoje?
O que importa é que viveu sonhando. E lutou bravamente pelos sonhos e por nós que vivíamos sob suas asas.
Não sei se por amor, ou por falta dele, libertou-se das correntes de um casamento que não a fazia feliz. Lembro-me vagamente das dores do seu coração. Do medo de perder as estrelas que iluminavam o fundo da sua alma. Mas lembro-me da alegria do recomeço. Foi nas letras que encontrou as ferramentas da liberdade. Letras que precisou abandonar quando casou-se e que lutava agora para reencontrar.
Reencontrar-se talvez seja a tarefa mais difícil quando se busca a liberdade. Saber novamente quais são seus gostos, seus almoços, seus livros, saber-se mulher inteiramente... Às vezes, leva-se uma vida para concluir essa empreitada...
Nunca conheci tamanha guerreira. De paus e pedras, e com o coração cheio de amor, lutou cada dia por cada pão e por cada alegria.
E como foi dura a vida com essa mulher. Vida bruta, egoísta, impiedosa. Essa vida que quis a todo custo roubar-lhe os sonhos, o amor e a esperança. A cada ano, a cada obstáculo. A fome, o desemprego, as dívidas, o machismo, o desamor, o ex-marido, e às vezes até os filhos...
Só mais tarde fui entender os princípios que guiava sua luta: a desalienação. Minha querida mãe lutou a vida toda pela desalienação. Encontrar novamente a essência do ser humano: essa é a mais bela proposta de Marx. E minha mãe fez isso por toda a vida. Quando incentivou que cada uma de suas estrelas brilhasse mais, quando tentou explicar que o dinheiro não era tudo e o mais importante era o amor. Insistiu que a paz poderia compensar a falta daquilo que nosso dinheiro não podia comprar...
Depois de anos, orgulho-me da greve que ela fez para implantar a jornada de 44 horas na fábrica que trabalhava. Da luta de uma mulher jovem que acordava de madrugada no domingo para entregar os pães na padaria, afinal, era o extra do fim de semana que comprava a comida da semana. Das tortas de limão trazidas pela manhã, depois de cumprir o turno da noite, afinal o adicional noturno ajuda a pagar aquela conta de luz atrasada...
(um grande suspiro, um longo e silencioso choro) Como eu gostaria de ter olhado-te, àquela época, com meus atuais olhos de 32 anos e 8 meses.................
E hoje, essa mulher ao completar meio século de primaveras, voltou aos bancos escolares, melhor dizendo: encontrou os bancos universitários. Aquele sonho de menina parece se realizar agora, 32 anos e 8 meses depois.... Com a sua vida, sem uma palavra sequer, você ensina-me que não existe tempo, muros e fronteiras, dificuldades e obstáculos que nos façam morrer quando se sonha e se luta.
Foi forte nas suas convicções. Decidida e dedicada... Guerreira de uma luta que talvez somente ela possa nos contar um dia... Certamente, muito mais que eu, encerra no peito e nas linhas do seu rosto todas as lutas dessas mulheres trabalhadoras. Sua história invisível, heroína de todos os dias, de todas as trajetórias entre sois e luas. A vida deve-te, com certeza, muitas honrarias!
Brava guerreira, querida amiga, adorada e sagrada mãe. A você minha imensa admiração, a mais terna gratidão e meu eterno amor.
Beijos,
Sua filha Alê