A
Velha República regurgita
No Brasil, durante a República Velha (1889 -
1930), a atuação do Estado frente à questão social era conhecida
como “caso de policia”. Na historiografia brasileira há inúmeras
referências sobre este tipo de ação estatal (Kazumi Munakata,
Boris Fausto, Edgar Carone, Ângela M.C. Gomes). Os trabalhadores
cobravam leis que assegurassem melhores condições de vida (jornada
de trabalho de 8 horas, previdência social, melhores salários etc)
a ponto de, em 1917, uma greve geral tomar a cidade de São Paulo,
com repercussões em outras capitais, como Rio de Janeiro.
Ressalta-se que este período, isto é, nos idos dos anos 10, 20 e
30, havia mobilizações de trabalhadores país afora. A resposta dos
governantes, em geral, era repressão policial e demissões em massa.
Somente após muita luta e cobrança popular leis foram criadas para
proteger os trabalhadores e garantir direitos mínimos.
As décadas se passaram, a ditadura de 64 caiu, e
esperava-se que, com o desenrolar das lutas, os dirigentes do Estado
mudassem a forma de compreender e negociar com aqueles que denunciam
os problemas sociais. Mas seja no campo das reivindicações
trabalhistas, seja no tocante a questões mais gerais e tão
sensíveis quanto aquelas, como moradia, transporte ou saúde, o
Estado tem respondido com repressão.
A título ilustrativo, em 06/06/2014, alguns meios de imprensa on line divulgaram o tratamento que policiais costumam dispensar aos manifestantes: greve dos metroviários da cidade de São Paulo, repressão por um lado, vide http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2014/06/pm-entra-em-confronto-com-grevistas-na-estacao-ana-rosa.html (acessado em 09/06/2014), demissão por outro, vide http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2014/06/06/governo-convoca-metroviarios-e-ameaca-comecar-demissoes.htm (acessado em 09/06/2014); greve de um setor de servidores do Distrito Federal, repressão, vide http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2014/06/policial-joga-spray-de-pimenta-em-servidores-em-greve-em-brasilia-veja.html (acessado em 09/06/2014). Ou mesmo, a falta de sensibilidade em entender o significado de uma reivindicação salarial, como em São Luis (MA) em que, no final das contas, após a greve dos rodoviários da capital, a justiça determinou o aumento da passagem de ônibus, http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2014/06/06/greve-dos-rodoviarios-em-sao-luis-acaba-com-reajuste-de-r-030-na-passagem.htm (acessado em 09/06/2014). No mesmo sentido, o Estado até se antecipa às manifestações antes mesmo delas existirem, como a compra de armas não letais pela Assembleia do Estado do Rio de Janeiro para se proteger de futuros manifestantes(http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2014/06/alerj-compra-armas-nao-letais-para-se-prevenir-de-ataques-durante-protestos.html, acessado em 09/06/2014).
Desde junho de 2013, a face repressiva do Estado
tem se mostrado demasiadamente presente anulando qualquer outro
mecanismo mínimo de democracia de forma a ferir radicalmente
princípios fundamentais constitucionais como liberdade de expressão,
manifestação e direito de greve. Os servidores públicos federais,
em particular os agentes da policia federal e auditores da receita
federal, tem sofrido restrições ao direito de greve a partir de
medidas de órgãos do judiciário (decisões do STJ e STF). O
editorial de 11/06/2014, do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais
do Trabalho (SINAIT) afirma que, “para o Sinait parece claro que o
Poder Judiciário, como órgão de garantia de aplicação da lei,
está ferindo frontalmente a Constituição Federal e cerceando um
direito conquistado com muito esforço pelos servidores públicos na
Carta de 1988” e, ainda, “o Executivo e o Judiciário, neste
caso, fazem uma intervenção direta sobre a mobilização dos
trabalhadores do serviço público.”
(https://www.sinait.org.br/?r=site/noticiaView&id=9507
, acessado em 11/06/2014). A repulsa dos trabalhadores à tentativa
crescente de limar suas possibilidades de reivindicação tem sido
expressa por diversas entidades sindicais, populares, partidos
políticos do campo da esquerda, intelectuais e pensadores sociais. É
digno de nota o artigo publicado pelo professor da USP Jorge Souto
Maior a respeito das ilegalidades cometidas pelo governo do estado de
São Paulo e a própria justiça no tocante à greve do metroviários
(http://www.viomundo.com.br/denuncias/jore-souto-maior.html
, acessado em10/06/2014).
Nos marcos de um Estado capitalista, em qual se
firma a República Federativa do Brasil, presumir-se-ia que o
desenvolvimento da democracia ao longo dos anos garantiria
instrumentos de diálogo, comunicação, negociação, por parte do
Estado e seus governantes, diferentes da velha fórmula conservadora
implementada pelos senhores da República Velha. Tal situação
demonstra a incapacidade de resolver os problemas que mais afligem a
maioria da sociedade brasileira. Em lado oposto, para se garantir os
interesses econômicos das elites, este mesmo Estado intervém
rapidamente para que projetos como Copa do Mundo, obras de
infraestrutura, bens públicos privatizados, sejam atendidos sem
maiores dores de cabeça para seus donos.
Em momentos como os que os brasileiros estão vivendo é que se nota a finalidade de um Estado capitalista, qual seja, organizar a sociedade para que o povo mantenha-se encurralado em seu canto e a elite siga com seus lucros. A riqueza produzida coletivamente segue sendo bem guardada pelas forças repressivas estatais. Salvo exceções, como o MTST e o movimento por moradia do Pinheirinho (São Jose dos Campos) que, após muita pressão popular e repressão estatal, conquistaram terrenos e moradias populares, a tônica tem sido o Estado baixar o cassetete sobre o povo.
Em momentos como os que os brasileiros estão vivendo é que se nota a finalidade de um Estado capitalista, qual seja, organizar a sociedade para que o povo mantenha-se encurralado em seu canto e a elite siga com seus lucros. A riqueza produzida coletivamente segue sendo bem guardada pelas forças repressivas estatais. Salvo exceções, como o MTST e o movimento por moradia do Pinheirinho (São Jose dos Campos) que, após muita pressão popular e repressão estatal, conquistaram terrenos e moradias populares, a tônica tem sido o Estado baixar o cassetete sobre o povo.
A história mundial prova que os setores menos favorecidos da
sociedade somente conseguem melhorar suas vidas se lutarem por
mudanças. Os direitos só são conquistados e mantidos com luta, por
mais adversas que sejam as condições para isso. A greve é um
direito, a manifestação de rua é um direito, os protestos sociais
são direitos de todos os que se sentem injustiçados. Mas se nem
tais direitos basilares são respeitados pelos governantes e pela
elite, como aumentar os salários, melhorar a saúde pública e
outros serviços sociais? Certamente essa melhoria não virá da boa
vontade ou da gratidão destes senhores para com os que trabalham.
Tudo indica que intensificação da luta social, frente ao
desrespeito a pressupostos mínimos de democracia, é o caminho a ser
trilhado por jovens e trabalhadores que não se conformam com a
carestia de vida e não toleram em ter como intermediador de
conflitos o autoritarismo estatal. Urge uma grande unidade das forças
progressistas sindicais (Centrais, Federações e Sindicatos),
políticas e populares em direção a uma campanha nacional em defesa
dos instrumentos democráticos mínimos cravados na Constituição de
1988.
José Eduardo Galvão –
petroleiro, cientista social formado pela Unicamp