Quem não se move, não sente as correntes que o prendem. (Rosa Luxemburgo).

quarta-feira, 11 de junho de 2014

A Velha República regurgita - Por José Eduardo Galvão

A Velha República regurgita

No Brasil, durante a República Velha (1889 - 1930), a atuação do Estado frente à questão social era conhecida como “caso de policia”. Na historiografia brasileira há inúmeras referências sobre este tipo de ação estatal (Kazumi Munakata, Boris Fausto, Edgar Carone, Ângela M.C. Gomes). Os trabalhadores cobravam leis que assegurassem melhores condições de vida (jornada de trabalho de 8 horas, previdência social, melhores salários etc) a ponto de, em 1917, uma greve geral tomar a cidade de São Paulo, com repercussões em outras capitais, como Rio de Janeiro. Ressalta-se que este período, isto é, nos idos dos anos 10, 20 e 30, havia mobilizações de trabalhadores país afora. A resposta dos governantes, em geral, era repressão policial e demissões em massa. Somente após muita luta e cobrança popular leis foram criadas para proteger os trabalhadores e garantir direitos mínimos.
As décadas se passaram, a ditadura de 64 caiu, e esperava-se que, com o desenrolar das lutas, os dirigentes do Estado mudassem a forma de compreender e negociar com aqueles que denunciam os problemas sociais. Mas seja no campo das reivindicações trabalhistas, seja no tocante a questões mais gerais e tão sensíveis quanto aquelas, como moradia, transporte ou saúde, o Estado tem respondido com repressão.

A título ilustrativo, em 06/06/2014, alguns meios de imprensa on line divulgaram o tratamento que policiais costumam dispensar aos manifestantes: greve dos metroviários da cidade de São Paulo,  repressão por um lado, vide
http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2014/06/pm-entra-em-confronto-com-grevistas-na-estacao-ana-rosa.html (acessado em 09/06/2014), demissão por outro, vide http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2014/06/06/governo-convoca-metroviarios-e-ameaca-comecar-demissoes.htm (acessado em 09/06/2014); greve de um setor de servidores do Distrito Federal, repressão, vide http://g1.globo.com/distrito-federal/noticia/2014/06/policial-joga-spray-de-pimenta-em-servidores-em-greve-em-brasilia-veja.html (acessado em 09/06/2014). Ou mesmo, a falta de sensibilidade em entender o significado de uma reivindicação salarial, como em São Luis (MA) em que, no final das contas, após a greve dos rodoviários da capital, a justiça determinou o aumento da passagem de ônibus, http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2014/06/06/greve-dos-rodoviarios-em-sao-luis-acaba-com-reajuste-de-r-030-na-passagem.htm (acessado em 09/06/2014).  No mesmo sentido, o Estado até se antecipa às manifestações antes mesmo delas existirem, como a compra de armas não letais pela Assembleia do Estado do Rio de Janeiro para se proteger de futuros manifestantes(http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/2014/06/alerj-compra-armas-nao-letais-para-se-prevenir-de-ataques-durante-protestos.html, acessado em 09/06/2014).

Desde junho de 2013, a face repressiva do Estado tem se mostrado demasiadamente presente anulando qualquer outro mecanismo mínimo de democracia de forma a ferir radicalmente princípios fundamentais constitucionais como liberdade de expressão, manifestação e direito de greve. Os servidores públicos federais, em particular os agentes da policia federal e auditores da receita federal, tem sofrido restrições ao direito de greve a partir de medidas de órgãos do judiciário (decisões do STJ e STF). O editorial de 11/06/2014, do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (SINAIT) afirma que, “para o Sinait parece claro que o Poder Judiciário, como órgão de garantia de aplicação da lei, está ferindo frontalmente a Constituição Federal e cerceando um direito conquistado com muito esforço pelos servidores públicos na Carta de 1988” e, ainda, “o Executivo e o Judiciário, neste caso, fazem uma intervenção direta sobre a mobilização dos trabalhadores do serviço público.” (https://www.sinait.org.br/?r=site/noticiaView&id=9507 , acessado em 11/06/2014). A repulsa dos trabalhadores à tentativa crescente de limar suas possibilidades de reivindicação tem sido expressa por diversas entidades sindicais, populares, partidos políticos do campo da esquerda, intelectuais e pensadores sociais. É digno de nota o artigo publicado pelo professor da USP Jorge Souto Maior a respeito das ilegalidades cometidas pelo governo do estado de São Paulo e a própria justiça no tocante à greve do metroviários (http://www.viomundo.com.br/denuncias/jore-souto-maior.html , acessado em10/06/2014).
Nos marcos de um Estado capitalista, em qual se firma a República Federativa do Brasil, presumir-se-ia que o desenvolvimento da democracia ao longo dos anos garantiria instrumentos de diálogo, comunicação, negociação, por parte do Estado e seus governantes, diferentes da velha fórmula conservadora implementada pelos senhores da República Velha. Tal situação demonstra a incapacidade de resolver os problemas que mais afligem a maioria da sociedade brasileira. Em lado oposto, para se garantir os interesses econômicos das elites, este mesmo Estado intervém rapidamente para que projetos como Copa do Mundo, obras de infraestrutura, bens públicos privatizados, sejam atendidos sem maiores dores de cabeça para seus donos.
Em momentos como os que os brasileiros estão vivendo é que se nota a finalidade de um Estado capitalista, qual seja, organizar a sociedade para que o povo mantenha-se encurralado em seu canto e a elite siga com seus lucros. A riqueza produzida coletivamente segue sendo bem guardada pelas forças repressivas estatais. Salvo exceções, como o MTST e o movimento por moradia do Pinheirinho (São Jose dos Campos) que, após muita pressão popular e repressão estatal, conquistaram terrenos e moradias populares, a tônica tem sido o Estado baixar o cassetete sobre o povo.
A história mundial prova que os setores menos favorecidos da sociedade somente conseguem melhorar suas vidas se lutarem por mudanças. Os direitos só são conquistados e mantidos com luta, por mais adversas que sejam as condições para isso. A greve é um direito, a manifestação de rua é um direito, os protestos sociais são direitos de todos os que se sentem injustiçados. Mas se nem tais direitos basilares são respeitados pelos governantes e pela elite, como aumentar os salários, melhorar a saúde pública e outros serviços sociais? Certamente essa melhoria não virá da boa vontade ou da gratidão destes senhores para com os que trabalham. Tudo indica que intensificação da luta social, frente ao desrespeito a pressupostos mínimos de democracia, é o caminho a ser trilhado por jovens e trabalhadores que não se conformam com a carestia de vida e não toleram em ter como intermediador de conflitos o autoritarismo estatal. Urge uma grande unidade das forças progressistas sindicais (Centrais, Federações e Sindicatos), políticas e populares em direção a uma campanha nacional em defesa dos instrumentos democráticos mínimos cravados na Constituição de 1988.


José Eduardo Galvão – petroleiro, cientista social formado pela Unicamp


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